Autoridades acadêmicas participam de debate sobre o programa “Future-se”
Na última semana, a Universidade Federal do Pará (UFPA) iniciou o debate sobre o Programa Future-se, lançado recentemente pelo Ministério da Educação (MEC). O debate foi realizado no Auditório Benedito Nunes, lotado de estudantes, professores, técnicos, representantes de associações, além de ter sido transmitido on-line para todos os campi da UFPA.
Segundo o MEC, o Future-se permitirá que as instituições federais aumentem as receitas próprias por meio da captação de recursos a partir de contratos de gestão, que poderão ser celebrados com organizações sociais qualificadas pelo Ministério da Educação ou por outros ministérios. O programa será financiado por um fundo de direito privado, sob responsabilidade de uma instituição financeira e funcionará sob regime de cotas. A adesão não será obrigatória.
Para explicar a proposta que cria o programa e debater as suas implicações, o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho e o vice-reitor, Gilmar Silva, compuseram uma mesa que contou com a participação da professora da Universidade Federal do ABC, Carolina Stuchi (via vídeo); do diretor-adjunto do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, professor Antônio Maués; dos representantes da UNE, Ellana da Silva; do DCE-UFPA, Wellington Davi Lima; da ADUFPA, professor Gilberto Marques; do SINDPROIFES/Pará, professora Maria do Socorro Coelho; do SINDTIFES, William Mota; e da Associação dos pós-graduandos da UFPA, José Maria Junior.
“Este debate ocorre em um momento em que as universidades federais vivem uma crise aguda de financiamento, com consequências que são devastadoras. Atividades acadêmicas e de pesquisa estão sendo prejudicadas, projetos estão sendo cancelados, pesquisadores produtivos estão renunciando ao trabalho em pesquisa por falta de condições, pesquisadores jovens e muito competentes estão abandonando a carreira científica ou migrando para outros países, a fim de continuarem com os seus trabalhos. As necessidades imediatas, que as instituições federais vivem hoje, no presente, não encontram resposta no Programa Future-se”, pontuou o reitor da UFPA.
“O programa, por seu turno, promete o acesso, no futuro, a novas fontes de recursos e à flexibilização da gestão financeira. Tudo isso as Universidades aceitam e, mais do que isso, vêm reivindicando há muitos anos. Mas o programa condiciona esses avanços à aceitação de um contrato de gestão com uma Organização Social, que é um ente alheio às universidades e, no limite, conflitante com a sua cultura de gestão”, completou Emmanuel Tourinho.
Já o vice-reitor da UFPA, Gilmar Silva, ressaltou a importância de promover um momento para que todos possam conhecer o programa e conversar sobre ele, além de refletir sobre as diversas dificuldades por que as instituições têm passado. “Esta é uma oportunidade que temos para nos encontrar e refletir sobre a universidade e sobre a autonomia universitária e, sobretudo, pensar coletivamente na defesa do nosso projeto de uma universidade com qualidade”.
Esta foi a primeira plenária para debater a temática, ficando agora sob a responsabilidade de todos os campi e todas as Unidades Administrativas promoverem os debates. Depois disso, o programa será discutido em reunião do Conselho Universitário (Consun), quando os representantes das unidades poderão deliberar por uma posição que reflita o sentimento da maioria da comunidade universitária. A reunião do Consun para a apreciação da proposta do Future-se ocorrerá no dia 5 de setembro.
Implicações para a adesão - De acordo com a professora Carolina Stuchi, a proposta do Programa Future-se já começou de forma errada, ao criar uma falsa sensação de Consulta Pública, sem respeitar as normas que gerem o processo de Consultas Públicas no País. Além disso, o projeto apresenta diversas inconsistências jurídicas, que chegam a contrariar a legislação, o que faz com que as instituições não se sintam seguras em aderir.
“Uma das questões que está mais óbvia nessa proposta é que a gente não tem claro o que as Instituições Federais de Ensino Superior vão ganhar, ao aderir. O que tem são compromissos que as IFES terão que assumir, e não o que elas vão receber ou onde vão se beneficiar e quais serão os incentivos. Inclusive, em toda a apresentação do programa, não fica claro nem a recomposição dos recursos de 2019 nem a proposta orçamentária de 2020, o que seria essencial para começar a conversar sobre esta proposta”, explicou Carolina Stuchi.
Outra preocupação, que está nas implicações da proposta para a autonomia universitária, foi abordada pelo professor Antônio Maués, que lembrou que os art. 4º e 7º da proposta de lei que cria o Future-se deixam clara a ingerência que as Organizações Sociais terão nas instituições. Os dois artigos expõem que, além de os recursos futuros, provenientes dos possíveis fundos financeiros, serem geridos pelas Organizações Sociais, há ainda a possibilidade de as IFES fomentarem a OS por meio de repasse de seus recursos orçamentários e permissão de uso de bens públicos.
“Começa a ficar mais difícil visualizar a autonomia universitária, caso as universidades estejam submetidas a contratos de gestão, porque tudo o que é importante na Universidade - a gestão de seus recursos, a gestão de pessoal e a gestão de atividades fins - já não poderá mais ser decidido internamente, pela própria comunidade universitária — elas serão objeto de contrato com uma outra pessoa jurídica”, lembrou Antônio Maués.
O professor explicou ainda que, embora este modelo de contrato com Organizações Sociais possa parecer comum, por estar em uso em áreas como a da saúde, por exemplo, ele não pode ser utilizado pelas Instituições Federais de Ensino Superior. Segundo o artigo 207 da Constituição Federal, que se refere à Educação, as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e devem obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
“É como se a Constituição nos dissesse: ‘para que haja liberdade de ensino, liberdade de pesquisa e liberdade de extensão, é necessário que haja autonomia’. É isso o que a Constituição nos diz, ou seja, do ponto de vista da Constituição Brasileira, por que nós lutamos para que continue em vigor, esta proposta é inconstitucional e não pode ser aprovada”, finalizou Antônio Maués.
Após as apresentações, os representantes das entidades de docentes, técnicos e discentes comentaram a proposta e foram enfáticos na necessidade de defesa da autonomia universitária. O debate terminou com as manifestações da audiência, com questões dirigidas aos professores Carolina Stuchi e Antônio Maués.
Texto: Maissa Trajano – Assessoria de Comunicação da UFPA
Fotos: Lucas Brito
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