Campanha Janeiro Roxo visa conscientizar a população sobre a prevenção e o tratamento precoce da hanseníase
O último domingo deste mês, dia 31 de janeiro, é dedicado ao Dia Mundial da Luta Contra a Hanseníase. Essa data marca a campanha Janeiro Roxo, que busca promover palestras e atendimentos em diversos espaços públicos para informar a população sobre os sintomas e o tratamento da hanseníase, assim como combater o preconceito sofrido pelas pessoas acometidas pela doença. As Sociedades Brasileiras de Hansenologia (SBH) e de Dermatologia (SBD) participam ativamente da promoção da campanha, que existe desde 2016.
A hanseníase é uma doença causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que possui a característica peculiar de infectar os troncos nervosos periféricos, que são responsáveis por manter, entre outras coisas, a sensibilidade da pele, a sudorese e o tônus muscular. A hanseníase se manifesta, então, pela diminuição ou perda total da sensibilidade da pele e da sudorese, além da perda de pelos e da diminuição da força nas mãos, nos pés e na face. Esses sintomas podem vir acompanhados de manchas mais claras que a cor da pele ou avermelhadas, além de nódulos na pele.
No país, são detectados, todos os anos, cerca de 30 mil casos novos. Esse quantitativo se acumula aos diagnósticos de anos anteriores, uma vez que muitos desses pacientes já estavam doentes e não sabiam que tinham a doença, o que sugere que a hanseníase seja bastante comum no Brasil. A enfermidade pode atingir pessoas de qualquer sexo ou idade, inclusive crianças e idosos, e a evolução geralmente é gradual.
Vale lembrar que a hanseníase tem cura e o tratamento é feito com antibióticos, que são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), normalmente nos postos da Atenção Básica à Saúde. É importante que o paciente siga o tratamento de maneira regular até o fim para que se cure de forma definitiva, não permitindo o retorno da doença. Quanto antes o tratamento for iniciado, menor o risco de sequelas.
“A evolução natural da hanseníase é a incapacidade física, que se caracteriza pela perda das funções das mãos, pés e músculos da face. O diagnóstico precoce, além de prevenir a evolução da doença para a incapacidade física, quebra a cadeia de transmissão na comunidade”, explica o coordenador do Laboratório de Dermato-Imunologia (LDI) e presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, Claudio Guedes Salgado
Preconceitos históricos - Um dos objetivos do Janeiro Roxo é justamente combater os históricos preconceitos que os portadores da hanseníase sofrem na sociedade. De acordo com a professora da Escola de Aplicação da UFPA (EAUFPA) e autora da tese de doutorado “A lepra e a letra: relações de poder sobre a doença na cidade de Belém (1897-1924)”, Elane Rodrigues Gomes, o preconceito em relação às pessoas acometidas pela hanseníase foi historicamente construído do Ocidente ao Oriente, desde o nome dado no passado, lepra, registrado em escrituras sagradas como símbolo de pecado e impureza por conta da enfermidade que o portador carregava, à prática do isolamento que o doente viveu por longos séculos nos chamados leprosários, em que ele era obrigado a se afastar da convivência familiar por representar uma ameaça à sociedade.
“Segundo dados registrados entre 15 de junho e 3 de julho de 2020 por Alice Cruz, relatora Especial para a Eliminação da Discriminação Contra Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares, do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC), em sua visita ao Brasil, foi mencionada a existência de políticas de contratação em empregos públicos, nas quais a hanseníase foi considerada um critério eliminatório, assim como pacientes que teriam sido obrigados a assinar um acordo comprometendo-se a não interromper o tratamento, sob a ameaça de responderem processo criminalmente, o que caracteriza preconceito institucional”, revela.
A professora conta que, além do preconceito institucional, foram mencionados no relatório casos de mulheres que sofrem preconceito familiar, pois são abandonadas por seus cônjuges ao serem diagnosticadas com hanseníase ou até mesmo sofrem violência física e psicológica. A relatora Alice Cruz identificou também situações em que crianças foram afastadas à força da escola ao serem diagnosticadas com hanseníase ou mesmo por seus pais terem sido acometidos pela doença.
“Os longos séculos de exclusão diante das políticas de isolamentos no Brasil (até a década de 80) acirrou o estigma e hoje é fundamental assegurar a ressocialização das pessoas acometidas por hanseníase no mercado de trabalho, no ambiente familiar, no espaço escolar e tantos outros em que o preconceito ainda se faz presente. A superação do preconceito é uma luta social e política que está presente também nas ações do Movimento de Reintegração das pessoas atingidas pela hanseníase, conhecido como Morhan, que surgiu na década de 80 e promove ações na luta pelo acesso ao diagnóstico, tratamento e informação sobre a doença”, pontua Elane Gomes.
Elane ressalta, ainda, que, muitas vezes, a falta de conhecimento é o fator determinante para a criação deste estigma não só da parte do paciente, mas também de toda a família. Por esse motivo, “espera-se, por meio da campanha Janeiro Roxo, que a população observe os sinais que o corpo vai apresentando e, no caso de qualquer sintoma, que procure uma Unidade Básica de Saúde, responsável pelo acolhimento e por realizar o atendimento às pessoas em situação de adoecimento”.
Pesquisa na UFPA - No estado do Pará, o Laboratório de Dermato-Imunologia (LDI) é referência em pesquisa sobre a hanseníase, por meio de estudos realizados ao longo de seus quase 20 anos de existência. Localizado na antiga Colônia de Hanseníase de Marituba, o laboratório é ligado à Universidade Federal do Pará e ao Centro de Referência de Treinamento em Dermatologia Sanitária “Marcello Candia”, com apoio da Sociedade Pobres Servos da Divina Providência, e desenvolve projetos na área de doenças tropicais, com ênfase em hanseníase e infecções fúngicas.
O LDI funciona como um laboratório que integra ensino, pesquisa e extensão e é responsável pelos exames laboratoriais mais complexos relacionados à hanseníase, como exames sorológicos e moleculares, em conjunto com o Laboratório de Genética Humana e Médica da UFPA, além de realizar exames para outras doenças negligenciadas, como as micoses por implantação. Técnicos, professores e alunos de graduação e de pós-graduação fazem parte da equipe que atua no local.
Em 2006, o laboratório demonstrou à revista inglesa Leprosy Review que a ciclosporina, droga imunossupressora utilizada em pacientes transplantados, também era útil em pacientes de hanseníase com neurite crônica. A pesquisa ficou entre os 10 trabalhos selecionados pelo Ministério da Saúde para o prêmio de novas tecnologias para o Sistema Único de Saúde (SUS) em 2008.
Ao longo do tempo, com a necessidade de aprimorar os exames e dar respostas mais específicas aos pacientes, o LDI qualificou o seu corpo técnico. Juntamente com a melhoria dos equipamentos, integrou técnicos, alunos e professores em projetos de pesquisa que englobam o atendimento à população, tanto na própria URE Marcello Candia quanto nas casas das pessoas atingidas pela hanseníase. A equipe do laboratório já fez visitas em 32 municípios do Pará durante os últimos 10 anos, contabilizando mais de 16 mil atendimentos.
“Tudo isso foi e continua sendo transformado em publicações científicas internacionais, que nos levaram a participar dos grande eventos da hansenologia, como o último Congresso Mundial de Hansenologia, que aconteceu em Manila, nas Filipinas, no ano de 2019, e a discutir os grandes temas da hansenologia com pesquisadores de todo o mundo”, finaliza o professor Claudio Salgado.
Para saber mais sobre a doença e o Janeiro Roxo, acesse o site da campanha.
Texto: Adams Mercês - Assessoria de Comunicação da UFPA
Arte: Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD)
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