No Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, pesquisadoras abordam os desafios para maior participação das mulheres na Ciência
Fazer Ciência é condição primordial para o desenvolvimento econômico, social e humanista de uma sociedade. Por esse motivo, desde 2016, no dia 11 de fevereiro, é celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data foi criada, em 2015, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) para incentivar maior participação das mulheres na Ciência e celebrar os grandes feitos de mulheres cientistas.
Embora, nos últimos anos, a comunidade global tenha investido mais na busca da igualdade de gênero na produção científica, as mulheres ainda têm tido dificuldades para participar plenamente da produção de Ciência no mundo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, até o ano de 2020, menos de 30% dos pesquisadores em todo o mundo eram mulheres.
“Um conjunto de fatores contribui para essa desigualdade e assimetria. Destaco o processo de socialização de gênero que, apesar de todas as conquistas promovidas pelas lutas feministas, ainda situa as mulheres na condição de cuidado e responsabilidade pela condução e administração do espaço privado do lar”, explica Telma Amaral, professora e pesquisadora que integra o Grupo de Estudos e Pesquisas "Eneida de Moraes" sobre Mulher e Relações de Gênero.
Segundo a pesquisadora, “há um processo de naturalização que remete as mulheres ao espaço da casa e segrega-as em atividades que não são equitativamente partilhadas com os homens. Isso implica redução do tempo dedicado à atividade científica, o que resulta em baixa produtividade em um meio em que as oportunidades e o reconhecimento são proporcionais ao investimento que se faz na realização de projetos, produção e publicação de artigos científicos, participação em eventos e inúmeras outras atividades científicas”.
E os números são ainda mais discrepantes quando considerados os dados de mulheres em áreas que historicamente têm sido permeadas pela presença majoritária masculina, tais como as engenharias. Em todo o mundo, apenas 28% dos graduados da área são mulheres. “As mulheres, ainda no século 21, sofrem com estigmas, preconceitos e desvalorização de suas pesquisas, quando relacionadas às áreas dominadas por homens, como as engenharias e tecnologias. Isso reflete em que as mulheres também precisem enfrentar a misoginia e o machismo no ambiente de trabalho e no campo de pesquisa”, pontua Viviane Santos, pesquisadora que coordena o Programa Meninas na Engenharia, do Campus Tucuruí da UFPA, e atua em um projeto destinado à presença feminina no curso de Engenharia de Computação.
Para a pesquisadora, esses fatores, muitas vezes, podem afetar a autoconfiança de meninas e mulheres que trabalham com Ciência, tornando-se uma autocobrança excessiva por não se acharem capazes de produzir o suficiente em algumas áreas de estudo. “Precisamos de mais conscientização para que as meninas diminuam seus receios em relação à área e que mais cientistas/pesquisadoras mulheres estreitem laços com outras meninas para que elas percebam que há, sim, representatividade e lugar para elas na Ciência também. As oportunidades são infinitas e não distinguem sexo”, ressalta.
Dificuldades que vão além da produção de conhecimento - No Brasil, alguns dados, hoje, mostram que, apesar de as mulheres já conseguirem ocupar um maior espaço na graduação, com cerca de 57,2% das vagas, e 59% das bolsas de Iniciação Científica, de acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ainda há outros fatores que dificultam a continuação na carreira científica.
“Além de todas as dificuldades para seguir a carreira acadêmica (entre se graduar e conseguir um emprego para desenvolver suas pesquisas), as mulheres também desempenham uma série de funções em suas casas. Essa situação se complica ainda mais com a maternidade, quando, a maioria de nós, passamos a ser as responsáveis também pela criação e cuidado do(s) filho(s). Ou seja, há uma sobrecarga imensa da mulher. Com isso, vai se tornando cada vez mais difícil sua permanência na carreira acadêmica. Consequentemente, torna-se cada vez mais difícil equiparar sua produção à de um homem cientista”, pontua Silvia Fernanda Mardegan, pesquisadora da área de Ecologia e embaixadora do Movimento Parent in Science na Região Norte do Brasil, criado com o objetivo de levantar a discussão sobre a maternidade e a paternidade dentro do universo da Ciência no Brasil.
E continua: “é preciso mostrar para aquelas mulheres que ainda não são cientistas ou que estão começando sua trajetória, que Ciência pode e deve ser realizada por mulheres. Seria interessante que houvesse um incentivo maior no desenvolvimento de pesquisas voltadas para o universo feminino, pois ainda temos muitas perguntas a serem respondidas nos mais diversos campos da Ciência”.
Ferramentas para uma mudança de cenário - Para as cientistas, a mudança capaz de possibilitar o aumento da participação feminina na Ciência e a ocupação de postos de forma igualitária passa por uma série de ações que precisa ser promovida de forma mais ampla e contundente. “Há que se fazer investimentos para a garantia de bolsas de pesquisas para mulheres e critérios de avaliação que levem em consideração as peculiaridades da vivência feminina, como o exercício da maternidade, que não deve ser encarado como obstáculo, mas valorizado como potência que é”, ressalta Telma Amaral.
A busca pela igualdade de gêneros deve ser trabalhada desde a Iniciação Científica, nos programas de pós-graduação, até a ocupação de vagas no mercado de trabalho. Segundo Silvia Fernanda Mardegan,“é preciso que mulheres cientistas, muitas das quais já passaram por alguma dificuldade em sua carreira por questões de gênero, unam-se e lutem para mudar essa desigualdade, incentivando e abrindo as portas para novas cientistas”.
Para as futuras cientistas, fica ainda a mensagem da importância em seguir este sonho de fazer Ciência e produzir conhecimento para a promoção de um desenvolvimento econômico, social e humanista da sociedade, apesar de todas as dificuldades que podem ser enfrentadas no meio do caminho. “Todos os desafios a serem enfrentados estão muito, mas muito aquém da satisfação e do encantamento que é se fazer ciência”, lembra Silvia Fernanda Mardegan.
“Paulatinamente estamos vendo as mudanças acontecerem, apesar de ainda presenciarmos muita invisibilização dos feitos das mulheres. Então, quanto mais as mulheres forem conscientes de seus talentos e habilidades, mais elas serão autênticas e relevantes para a sociedade. E mais ainda, acredito que o futuro será dominado pelo feminino, pois o feminino abarca uma nova forma de ver o mundo: com verdadeira inclusão e colaboração sustentável entre todos os seres”, finaliza Viviane Santos.
Texto: Maissa Trajano - Assessoria de Comunicação da UFPA
Imagens: Mkt Ascom e arquivo pessoal
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