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Ainda é preciso muito esforço coletivo no combate à LGBTFobia. A importância da criminalização da violência contra pessoas LGBTQIA+

  • Publicado: Segunda, 24 de Maio de 2021, 11h05

 Materia Violencias 1

Em 2018, quatro mulheres foram assassinadas em Belém. Por meio do estudo dos inquéritos policiais desses homicídios e também por entrevistas com a polícia civil, a professora universitária e advogada Flávia Haydeé Almeida observou que todas as mortes possuem semelhanças gritantes, seja quanto à vítima, seja quanto à forma de execução. Quanto às vítimas, um fator se sobressai: todas eram travestis. A pesquisa foi defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, tendo como um dos seus objetivos demonstrar que a violência contra pessoas LGBTQIA+ é presente, constante, real e deve ser cada vez mais debatida.  

Travesti é uma expressão de gênero que difere da que foi designada à pessoa no nascimento, assumindo, portanto, um papel de gênero diferente daquele da sua origem. Já a sigla LBGBTQIA+ refere-se ao movimento político e social que defende a diversidade e busca mais representatividade e direitos para a comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexos e Assexuais. O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero, como os pansexuais, por exemplo, que sentem atração por outras pessoas, independentemente do gênero.

Segundo a Opinião Consultiva nº24/2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a homofobia seria descrita como um medo, um ódio ou uma aversão irracional em relação a pessoas lésbicas, gays ou bissexuais. Por escolha do movimento LGBT, o termo “LGBTfobia”, portanto, foi designado para descrever a aversão contra a comunidade LGBTQIA+, que, muitas vezes, acaba em violência e/ou crimes. 

A decisão pela criminalização foi do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO-26 e do Mandado de Injunção – MI-4733. “Em suma, o STF reconheceu que existe uma situação de vulnerabilidade e violência em relação a pessoas LGBT e que seria responsabilidade do Congresso Nacional criar uma lei própria que defenda essa população. Como houve uma demora exacerbada por parte do Congresso, o STF entendeu que este foi omisso em suas ações e decidiu que, até que uma lei específica seja criada, as condutas LGBTfóbicas, reais ou supostas, devem ser enquadradas nos crimes previstos na Lei 7.716/1989”, explica a professora Flávia Almeida, que também é membro do Grupo “Direito Penal e Democracia” e do D.I.Va.S - Direito à Igualdade e Valorização das Sexualidades.

Segundo a advogada, é importante ressaltar também que não existe um só crime chamado LGBTfobia. “A Lei 7.716/1989 – conhecida como Lei de Racismo – define uma série de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, pelo menos uns 15 crimes estão dispostos nessa lei e todos eles podem ser aplicados às condutas LGBTfóbicas”, continua. 

Por essa razão, as penas podem variar de acordo com o crime: por exemplo, se alguém recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador por ser uma pessoa LGBT, pode receber uma pena de reclusão de um a três anos. Ou ainda: se alguém da família expulsar de casa uma pessoa por ela ser LGBT, impedindo ou obstando, por qualquer meio ou forma, sua convivência familiar e social, pode ser preso por dois a quatro anos.  

Para a pesquisadora, a criminalização da LGBTfobia foi uma grande conquista para a comunidade LGBT, “pois reconheceu-se nacionalmente, em nível jurídico, que LGBTs são sujeitos de direito, cujas vidas são impregnadas por violências, e que é responsabilidade do Estado a proteção dessas vidas. Foi um alerta para toda a sociedade, uma chamada de atenção para o Congresso, expondo, de forma escrachada, que a Sociedade quer sim nos ver calados, invisíveis e mortos. Isso não ficará mais assim. Agora existe uma forma de nos proteger”.

Mas Flávia Almeida destaca que ainda é pouco perto da realidade enfrentada. “A Lei de Racismo tem uma aplicabilidade extremamente reduzida. A maioria das violências sofridas por pessoas LGBT não se enquadra e não pode ser punida por essa lei. O que acaba, novamente, deixando a população LGBT em situação de vulnerabilidade. Por exemplo, a pessoa pode ser espancada, xingada na rua das piores formas, mas, quando chegar à Delegacia, a autoridade policial não vai conseguir enquadrar essas condutas na Lei de Racismo, serão tratados como crimes comuns, mesmo que fique evidente a motivação LGBTfóbica”. 

Apenas o primeiro passo - A inserção da LGBTfobia, mediante analogia, na Lei de Racismo foi só o primeiro passo. “Precisamos que o Congresso crie uma lei própria, definitiva, ampla, que reconheça a motivação LGBTfóbica nos crimes já dispostos no Código Penal. Do contrário, ele continuará sendo omisso”, afirma Flávia. A professora diz, ainda, que é preciso olhar para além da criminalização: “O combate da LGBTfobia – pelo qual celebramos o dia 17 de maio – não irá acontecer pela via do Direito Penal, porque, quando esses casos chegam à Delegacia, quer dizer que já falhamos…Uma vida já foi violentada, perdida. Precisamos trabalhar no antes e não só nas consequências”.

“Para isso, são urgentes projetos sociais de educação e profissionalização para pessoas LGBT. Precisamos de um Sistema de Saúde e de profissionais que estejam capacitados a nos atender, a compreender as demandas particulares da comunidade. Precisamos de um Sistema de Segurança, que garanta a assistência para as pessoas em situação de violência. Precisamos de um Sistema Penitenciário, que respeite as identidades LGBTs e lhes conceda um tratamento adequado na carceragem”, enumera a pesquisadora. E acrescenta: “A LGBTfobia se combate por ações positivas, reconhecendo direitos, permitindo que LGBTs sejam finalmente tratados como seres humanos”.

Da academia para a sociedade - Além disso, Flávia Almeida crê que seja fundamental que o tema esteja em discussão na academia. “A pesquisa é a base para tudo. Sem pesquisa, sem produzir conhecimento e dados não é possível conhecer a realidade da população LGBT. O último Relatório de Violência Homofóbica no Brasil, produzido pelo governo federal, é de 2013, ou seja, desde 2013 o governo esqueceu nossa existência e não produziu mais nenhum dado sobre violência”, revela.

Essa omissão, segundo ela, não é ingênua, pois, sem a produção de dados oficiais, não há como demonstrar, empiricamente, que a população LGBT é marginalizada no Brasil. Atualmente, a grande maioria dos dados é produzida pelo próprio movimento, como o Grupo Gay da Bahia, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Rede Trans. “E é por isso que precisamos da pesquisa, porque, nos bancos das Universidades, é onde se produz conhecimento, onde são analisadas as violências, as vivências da população LGBT, onde podemos produzir dados empíricos e mostrar, por A+B, o que estamos vivendo”, diz.

A pesquisa da advogada sobre os assassinatos de Travestis na cidade de Belém no ano de 2018 mostrou exatamente isto, a importância da pesquisa para servir de apoio e propor uma reformulação da atividade policial: “já que a própria polícia não se debruça na investigação dessas mortes, ignorando a estrutura discriminatória que expõe a vida dessas mulheres a perigo, contentando-se com as respostas mais fáceis, que reforçam o preconceito”, concluiu Flávia. Os casos analisados foram arquivados por falta de autoria, quatro vidas assassinadas que ficaram sem resposta.

Texto: Jéssica Souza – Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA
Arte: Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

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