UFPA participa da criação de projeto de lei que visa à Prevenção à Exposição e Intoxicação Mercurial na Amazônia
A Universidade Federal do Pará (UFPA) participou do XIV Encontro da Rede Amazônica de Clínicas de Direitos Humanos, realizado entre os dias 5 e 6 de setembro em Macapá, no estado do Amapá, que culminou na apresentação de um projeto de lei que visa à urgente implementação de uma política nacional voltada à prevenção da exposição, à notificação real de casos e ao tratamento correto de pessoas expostas e contaminadas por mercúrio na região. O projeto de lei veio para contribuir com a implementação da Convenção de Minamata, um tratado internacional assinado por 137 países, incluindo o Brasil, desde 2017.
No evento, representando a UFPA, estiveram presentes professores e alunos do Laboratório de Farmacologia Molecular do Instituto de Ciências Biológicas – LFM/ICB, com a participação das professoras Maria Elena Crespo Lopez e Gabriela de Paula Arrifano; e da Clínica de Direitos Humanos do Instituto de Ciências Jurídicas – CIDHA /ICJ, com a participação dos professores Antônio Maués e Jane Beltrão, além de discentes, entre os quais, os indígenas José Ubiratan Sompré, Miguel Wepaxi Wai Wai e Pricila Aroucha Pinheiro.
O evento teve organização da Rede Amazônica de Clínicas de Direitos Humanos em parceria com a UFPA, a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade Federal do Amapá (Unifap). O objetivo foi debater temas atinentes a violações de direitos humanos e meio ambiente na Amazônia, tendo como mote principal a questão da intoxicação mercurial. Ainda como parte da programação, ocorreu uma audiência pública sobre o tema da contaminação por mercúrio, organizada pela Clínica de Direitos Humanos da Unifap e pelo Ministério Público do Estado do Amapá, que contou com as apresentações das professoras do LFM/ICB como expositoras.
Exposição ao mercúrio - Segundo a professora da UFPA Elena Crespo, o projeto de lei deve contribuir com a parte referente à saúde das pessoas expostas ao mercúrio, o que envolve a união do Estado, dos profissionais da Saúde e da Academia.
O projeto de lei acordado é construído sobre três eixos básicos, que implicam: 1. a implementação de um sistema de controle nacional para monitorar e lançar dados referentes à quantidade de mercúrio no corpo das pessoas; 2. a implementação obrigatória de campanhas educativas e de conscientização do problema, como a criação de um dia nacional de prevenção à contaminação por mercúrio, entre outros tipos de ações; e 3. a capacitação de profissionais no combate à subnotificação de casos.
“O sistema de controle e criação de um banco de dados, por exemplo, nos permitiria atuar na área da saúde ou da pesquisa antes da existência de grandes danos, pois, através dos dados, as instituições nacionais poderiam lançar mão de estratégias para tratamentos e ações de prevenção, localizar regiões mais afetadas e atuar a tempo. Além disso, sabemos que o mercúrio é um problema apesar de que hoje existe uma grande subnotificação de pessoas intoxicadas”, afirma a professora Crespo.
Segundo ela, as notificações dos últimos 14 anos, por exemplo, no Pará, incluem apenas quatro casos de intoxicação por mercúrio, sendo que, no Amapá, nesses mesmos 14 anos, houve zero notificação. “Durante o evento, os depoimentos de integrantes de vários grupos, além de pesquisas que vêm sendo realizadas nas universidades, dizem o contrário, como o caso de uma mãe, que mora em Macapá, no Amapá, que nunca se aproximou de uma população ribeirinha ou zona de garimpo, mas tem em casa um filho com elevados níveis de mercúrio no organismo. Isso demonstra que esse problema não afeta somente as populações ribeirinhas ou diretamente ligadas à presença/manipulação do mercúrio no seu dia a dia”, conta a pesquisadora.
A sintomatologia relacionada ao contato com o mercúrio é bem complexa e inclui mais de 250 sintomas diferentes e até relacionados com hipertensão, diabetes, doenças comuns que, muitas vezes, nem se imagina estarem relacionadas ao mercúrio.
“O nosso Laboratório de Farmacologia Molecular já chegou a identificar níveis muito elevados em várias regiões diferentes aqui mesmo, no Pará, incluindo Belém. Então, é um problema que nos afeta a todos e que não temos a real dimensão do que está acontecendo”, complementa Elena Crespo. “Essa quantificação de mercúrio deveria ser de rotina para todos, assim como fazemos exames para saber a quantidade de açúcar no sangue”, opina.
Nas aldeias - O indígena bacharel em Direito, José Ubiratan Sompré, do povo Xerente, residente da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia – CIDHA UFPA, aponta, por exemplo, que a contaminação por mercúrio tem chegado às aldeias por meio da principal base alimentar indígena, que é de peixes. “Uma vez contaminados por mercúrio, os peixes nos causam doenças e danos irreversíveis e têm impactado as populações mais vulnerabilizadas, principalmente a nós, povos indígenas na Amazônia”, ressalta.
“Apesar de o Brasil ter ratificado a Convenção de Minamata em 2017, cuja responsabilidade é reduzir o uso do mercúrio no país, o que se conclui é que, até agora, o Estado Brasileiro não implementou o Plano Nacional de Ação ao combate ao uso do mercúrio nem qualquer outro instrumento jurídico específico para prevenir os casos de exposição humana e ambiental, muito pelo contrário, tem flexibilizado a legislação ambiental e incentivado a invasão dos territórios indígenas por garimpeiros ilegais. Enquanto dados e informações apresentados pelos pesquisadores demonstram o aumento indiscriminado nos últimos anos das atividades que aumentam a presença e mobilização do mercúrio no meio ambiente (como por meio da mineração, do desmatamento, das queimadas etc.), e, com isso, o número de pessoas expostas a ambientes contaminados tem aumentado drasticamente”, continua o indígena.
Daqui pra frente - O próximo passo é levar a proposição ao Congresso, já estando agendada a audiência pública em Brasília para avançar com o projeto de lei. A Minuta Legislativa “Estratégia Nacional de Saúde para Prevenção à Exposição e Intoxicação Mercurial” já é de interesse de alguns deputados e senadores também dispostos em buscar interlocução entre academia, sociedade civil e autoridades públicas no combate à contaminação por mercúrio na Amazônia.
Para saber mais sobre o evento, acesse o site da CIDHA e aqui.
A audiência Pública realizada na Unifap para a elaboração da Minuta Legislativa “Estratégia Nacional de Saúde para Prevenção à Exposição e Intoxicação Mercurial” pode ser acessada aqui.
Texto: Jéssica Souza – Ascom UFPA
Fotos: Tarcisio Schnaider e arquivo pessoal
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