Pesquisador da UFPA é convidado para debate na Câmara dos Deputados sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas
Ganhou destaque, nas últimas semanas, a discussão sobre a não liberação, por parte do Ibama, do licenciamento ambiental para a Petrobras perfurar poço exploratório na Bacia da Foz do Rio Amazonas, no estado do Amapá. O assunto se tornou pauta de uma Comissão Geral da Câmara dos Deputados, que promoveu o debate "A Exploração de Atividade de Perfuração Marítima no Bloco FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas", no último dia 5 de junho, no Plenário da Câmara. O oceanógrafo e pesquisador da UFPA Nils Edvin Asp Neto foi um dos convidados e apresentou um parecer científico sobre a situação.
A sessão foi proposta e presidida pela deputada federal Silvia Waiãpi, do estado do Amapá, com as participações, na mesa diretora, da gerente-geral de Licenciamento e Conformidade Ambiental da Petrobras, Daniele Lombas; do professor Nils Asp, da UFPA; do presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy; e do diretor do Departamento de Política de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural da Secretaria Nacional de Petróleo e Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Rafael Bastos. Outros especialistas, políticos e membros de organizações não governamentais também discursaram como oradores.
No centro do debate, estava a questão: é possível uma exploração sustentável de petróleo na foz do Amazonas? Do ponto de vista científico explicado pelo professor Nils Asp, há dois pontos que se destacam no processo de licenciamento em debate. O primeiro diz respeito à ausência de um plano claro e consistente que preveja a chegada de óleo à margem, considerando os regimes de ondas, no caso de um acidente na perfuração.
“O modelo que foi utilizado e a maneira como foi ambientado, calibrado e validado não são adequados para simular os processos dinâmicos na faixa costeira, em um eventual vazamento”, pontuou Nils Asp. De acordo com o pesquisador, os estudos de impacto ambiental apresentados para o licenciamento não dão segurança de que, no caso de derramamento de petróleo, serão tomadas as medidas adequadas para dirimir impactos ambientais de grande dimensão, sobretudo em uma zona costeira de grande diversidade ecológica e social, com mangues, reservas extrativistas e comunidades tradicionais. Ele indica também que não foram consideradas as cartas de sensibilidade da costa ao óleo (Cartas SAO) desenvolvidas para a região com grande participação da UFPA.
“Mesmo com as limitações da modelagem realizada, em um caso de pior cenário de acidente simulado, considerando a possibilidade de ocorrência de 50%, a mancha de óleo teria uma extensão de mais de 1.000 km, com uma largura média de mais de 100 km, após 60 dias. Por outro lado, nenhuma avaliação do que aconteceria com esse óleo, após 60 dias, foi realizada, e ele certamente não desapareceria do ambiente”, explica o pesquisador.
O segundo aspecto que o pesquisador destacou em sua apresentação na Câmara dos Deputados foi o que chamou de intemperismo ou alteração do óleo. “Numa possibilidade de vazamento, o óleo, com o tempo, passa por alterações na sua composição, virando um material mais pesado que a água, portanto afunda e afeta os ambientes de fundo, por exemplo, recifes mesofóticos que ocorrem na região”, explicou Nils Asp. Para o pesquisador, o estudo de impacto ambiental fornecido pela Petrobras também é insuficiente para dirimir possíveis danos ambientais de médio e longo prazos nesses ecossistemas.
O oceanógrafo participou do estudo que identificou a presença de recifes mesofóticos (pouca luz) na foz do Amazonas. Antes dos pesquisadores, pescadores já haviam identificado recifes na região e, devido às enormes dificuldades de financiamento à pesquisa dos últimos anos, o mapeamento científico ainda não possibilitou dimensionar por completo a extensão dessa área de recifes, mas estima-se que pode se chegar a 56 mil Km2. “Em um eventual acidente, há o risco ambiental de levar ao colapso esses ambientes, que inclui recursos pesqueiros, biodiversidade e biotecnologia”, avalia Nils Asp.
De acordo com o professor, trata-se de ecossistemas com algas calcáreas como base e com grande presença de esponjas e, inclusive, de corais. Os recifes também contribuem, como a floresta, para a fixação e o sequestro de carbono, elemento fundamental para o debate climático global. Da mesma forma, estes ambientes recifais garantem, em grande parte, a abundância de importantes recursos pesqueiros, com destaque para o pargo. Além disso, o investimento em novas áreas de explorações de combustíveis fósseis iria na contramão dos esforços e das metas globais de redução da emissão de gases geradores do efeito estufa nas próximas décadas.
“Do ponto de vista científico, técnico e acadêmico, em harmonia com o parecer do Ibama, nós precisamos fazer um estudo de impacto ambiental mais apropriado para que, eventualmente, haja segurança para o licenciamento ambiental”, conclui Nils Asp. E reitera: “O licenciamento ambiental não é para atrapalhar o desenvolvimento, e sim para garantir a sustentabilidade dele. O licenciamento ambiental vem ocorrendo no Brasil, há mais de 40 anos, com sucesso, embora com problemas, e há um trâmite necessário para qualquer empreendimento. Esse trâmite deve seguir por meio do Ibama, que é o órgão responsável pelo licenciamento. O próprio órgão não coloca a atividade como inviável, mas, sim, que os estudos apresentados, até o momento, não são suficientes”.
Embates - Em que pese a preocupação ambiental, o debate sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas também é atravessado por discursos econômicos e sociais. É preciso lembrar que o projeto em discussão prevê apenas uma etapa exploratória de perfuração de um poço para investigar a presença de petróleo na região. Levantamentos geofísicos prévios apontam o potencial da existência de petróleo, mas o volume das reservas pode ser superestimado, de acordo com Nils Asp, visto que, de modo geral, na indústria de petróleo, a taxa de sucesso entre o potencial exploratório e as reservas de fato identificadas e viáveis gira em torno de 20%., ou seja, a possibilidade real de exploração pode ser bem aquém da perspectiva de retorno econômico que poderia justificar o investimento.
Por outro lado, um dos argumentos da indústria de petróleo e gás para abrir uma nova fronteira de exploração de petróleo na margem equatorial brasileira (que vai da foz do Amazonas até o Rio Grande do Norte, abrangendo o litoral de seis estados) é a diminuição das reservas do pré-sal, no Rio de Janeiro. Projeta-se que, para que o país mantenha autonomia de produção de petróleo, em 2030 novos poços já precisariam entrar em funcionamento, o que justificaria já iniciar as perfurações exploratórias em novas áreas.
Para Symone Christine Araújo, diretora da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), “é possível desenvolver novas fronteiras exploratórias, como a margem equatorial, observando as melhores práticas de segurança operacional. Temos regulação e temos expertise para atuar de maneira segura”, afirmou, na sessão na Câmara dos Deputados. Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), também garantiu que “a indústria de óleo e gás pratica essa atividade com segurança no mundo inteiro. As empresas já estão acostumadas a trabalhar em atividades com sensibilidade ambiental”.
Mas a discussão sobre novas fronteiras de exploração de petróleo no Brasil não para por aí. Parlamentares da Região Norte, como a deputada Silvia Waiãpi, do Amapá, e Gabriel Mota, de Roraima, alegam que a nova atividade econômica é uma oportunidade de desenvolvimento para os estados, com geração de empregos, movimentação da economia e mais arrecadação para os governos.
Há controvérsias. Paulo César Lima, consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados e convidado para o debate, questionou que o regime de concessão de exploração previsto para o Amapá, caso sejam encontradas reservas de petróleo na foz do Amazonas, seria mais favorável às empresas do que aos governos, já que, diferentemente do pré-sal, a participação governamental e os royalties serão muito baixos. Alegou também que há reservas do pré-sal subexploradas, para as quais os investimentos poderiam ser direcionados em vez de ser aberta nova fronteira ao norte.
Do ponto de vista social, movimentos sociais e organizações não governamentais reivindicam que as comunidades locais sejam ouvidas e participem dos debates com protagonismo, para que não se reproduza um modelo de desenvolvimento depredatório e com grandes impactos nos modos de vida das populações. Este debate inclui uma clara política de distribuição de royalties da mineração como um todo, bem como um modelo de desenvolvimento adequado para a Amazônia.
Para assistir à íntegra da sessão, acesse a TV Câmara.
Texto: Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA
Fotos: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
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