Por um “aquilombamento" do ensino no Brasil, Encontro Nacional de Estudantes Kilombolas é realizado na UFPA
De 3 a 6 de agosto, a Universidade Federal do Pará foi território do IV Encontro Nacional de Estudantes Kilombolas (Eneki). Na noite da quinta-feira, 3 de agosto, no Centro de Eventos Benedito Nunes, no Campus Guamá da UFPA, houve a abertura oficial do evento, com uma mística e mesa com convidados. Com o tema “Amazônia Quilombola: rios de vozes que ecoam resistência”, a proposta do encontro foi “aquilombar” o ensino, assegurando e fortalecendo a presença de comunidades nos espaços acadêmicos que lhes foram historicamente negados.
Com o público formado por estudantes universitários, membros e lideranças de comunidades quilombolas, entre outros interessados, o evento exaltou os saberes e as culturas afro-amazônicos, por meio de apresentações musicais e saudações à ancestralidade. Para iniciar o encontro, Turi Omonibo pediu licença aos encantados com um banho, do qual os presentes também puderam participar.
Na sequência, foram dadas as boas-vindas às delegações dos estados que sediaram anteriormente o Eneki – Goiás, Rio Grande do Sul e Bahia – e à delegação do Pará, anfitriã deste ano. Com cânticos e ritmos próprios de suas localidades, os estudantes realizaram uma grande festa no Centro de Eventos Benedito Nunes.
Mesa de abertura – Para saudar os participantes, a programação da abertura seguiu com uma mesa formada por lideranças da Universidade e de comunidades remanescentes de quilombos. Participaram da mesa de abertura o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho; o vice-reitor da UFPA, Gilmar Pereira da Silva; a coordenadora da Associação de Discentes Quilombolas da UFPA (ADQ), Carlene Printes; a coordenadora do Movimento Nacional de Estudantes Quilombolas, Charlene Bandeira; Vanusa Cardoso, cientista social e antropóloga formada pela UFPA e liderança espiritual; Carlos Printes, liderança do Quilombo Abuí de Oriximiná-PA; Zuleide Viana, primeira coordenadora de mulheres da Associação de Remanescentes de Quilombos do município de Oriximiná-PA; Daniel Souza, liderança do Quilombo Jauarí de Oriximiná-PA; Hilário Moraes, coordenador de articulação da Malungu - Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará; Raí Moraes, superintendente regional do nordeste do Pará do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); Ronaldo Araujo, diretor da Superintendência de Assistência Estudantil da UFPA, representando também o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace); e Claudinha Lima, representante do mandato do senador paraense Beto Faro.
“Estamos em um momento importante em Belém, e o Eneki é uma oportunidade de estarmos juntos, unidos em prol do movimento de luta pela existência e resistência dos nossos povos na universidade. A Amazônia também é quilombola”, iniciou os discursos Carlene Printes, coordenadora da ADQ-UFPA.
Carlos Printes, pai de Carlene e liderança do Quilombo Anuí de Oriximiná-PA, disse que sediar o Eneki no Pará é motivo de grande alegria e lembrou como o movimento quilombola no estado começou em Oriximiná, 1989, com a criação da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do município de Oriximiná. “Com isso, crescemos, nos fortalecemos e agora a gente vê o fruto dessa luta e fica orgulhoso de ver a turma jovem tocando o trabalho nas universidades”, celebrou. Zuleide Viana também comemorou: “Os nossos jovens são o futuro do Brasil. Estou emocionada. Hoje estamos vendo a quantidade de pretos na universidade”.
A coordenadora do Movimento Nacional de Estudantes Quilombolas, Charlene Bandeira, antes de iniciar a fala, fez uma saudação a Ogum. Ela exaltou o movimento estudantil quilombola por ser coordenado por mulheres negras. “Nós gestamos comunidade e damos continuidade à luta dos nossos mais velhos pela educação”, afirmou.
O reitor da UFPA, Emmanuel Tourinho, agradeceu a escolha da UFPA para realizar o encontro, assim como a presença dos estudantes quilombolas na universidade e sua contribuição para a academia. Ele citou algumas políticas de ações afirmativas desenvolvidas pela UFPA, como o Processo Seletivo Especial para Indígenas e Quilombolas, que possibilita que hoje a instituição tenha cerca de 3 mil estudantes quilombolas matriculados. “Temos essa vocação e compromisso de ser uma universidade cada vez mais inclusiva, uma universidade cada vez mais com a cara do nosso povo. Celebramos essas conquistas, mas temos consciência de tudo que precisamos avançar. Lutamos para que essa universidade faça a diferença para os povos da Amazônia”, destacou o reitor.
Já o vice-reitor da UFPA, Gilmar Pereira da Silva, contou como a Universidade se transformou com as políticas de ações afirmativas: “Eu estudei aqui no século passado. A gente entrava na universidade e era um estranho no ninho. Era difícil negro entrar na universidade e os que entravam furavam o funil. Agora todos os anos, recebemos em torno de 8 mil estudantes e é a coisa mais impactante e bonita ver nossos espaços coloridos de pessoas de múltiplas origens. Isso não tem preço. Quando nós começamos as políticas de cotas, a elite era a dona das vagas da universidade. A gente mudou isso extraordinariamente e tem garantido que pelo menos cinquenta por cento dos nossos jovens sejam de escolas públicas”.
Os dirigentes máximos da UFPA foram homenageados pela ADQ e pela organização do evento pelo compromisso com as políticas de ações afirmativas na UFPA, que se fortaleceram e expandiram nesta gestão. Em meio às falas, novas apresentações musicais e saudações à ancestralidade também foram realizadas.
Fortalecimento identitário e ocupação de espaços - Com cerca de 350 inscritos, o encontro reuniu estudantes de várias regiões do país para discutir temas que afetam diretamente o dia a dia das comunidades quilombolas, mas ainda são poucos debatidos dentro delas, como: educação, racismo, clima, sexualidade e gênero, entre outros que foram abordados durante a programação do evento. De acordo com Jonas Gomes, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA (PPGEd) e originário da comunidade do Baixo Itacuruçá, em Abaetetuba, ter esse espaço em nível nacional para debater essas temáticas é enriquecedor e de grande importância para o desenvolvimento dos territórios em que vivem.
”O evento é importante porque traz esses assuntos e esses debates, e também demarca a importância de estarmos ocupando esses espaços de debates, principalmente para garantir a nossa permanência dentro da universidade e lutar contra qualquer sistema que tente negar essa permanência. Poder participar deste momento, com pessoas tão potentes, que trazem as suas falas e experiências, faz com que nós voltemos para os nossos territórios muito fortalecidos com tudo que vivemos aqui”, detalha Jonas Gomes.
Além do aprendizado, a iniciativa também é um espaço de novas conexões, reflexões e amizades. É o que destaca a aluna de Jornalismo da UFPA Heloiá Carneiro, da comunidade quilombola de Bairro Alto, em Salvaterra, que participa, pela primeira vez, do Eneki.
“Tem sido uma experiência maravilhosa. Quando ouvimos pessoas quilombolas de outras regiões do Brasil, que carregam sua cultura e ancestralidade, compartilhando conosco suas vivências e experiências de vida e de dentro do espaço acadêmico, nos mostram que não estamos sós. Cada quilombo tem suas especificidades, mas há algo muito maior que nos une, e isso é magnificamente inexplicável”, afirma a aluna.
A expectativa dos estudantes, dos organizadores e das associações participantes é que, a partir dos debates, novas perspectivas sejam criadas sobre as suas realidades, dentro e fora da universidade.
“A partir do que foi ouvido, discutido e tratado dentro do Eneki, vamos fazer encaminhamentos e, com isso, criar um documento, destinado às autoridades, com informações sobre o que é importante para nós, como estudantes quilombolas, e sobre os nossos territórios, garantindo a nossa existência e permanência em todos os lugares”, finaliza Jonas Gomes.
Texto: Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA
Fotos: Alexandre de Moraes – Ascom UFPA
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