Diversidade de conhecimento, proteção aos povos e territórios, e autonomia são as principais demandas relacionadas à Ciência e Tecnologia nos Diálogos Amazônicos
Entre as diversas plenárias que ocuparam o Hangar - Centro de Convenções da Amazônia, no último final de semana, durante a realização dos Diálogos Amazônicos, uma das necessidades mais pontuadas foi a união de saberes dos diferentes povos que compõem a Amazônia. Para tanto, o investimento em Ciência e Tecnologia para a proteção e o desenvolvimento da Amazônia hoje deve ter como foco principal aqueles que conhecem e pesquisam o bioma amazônico e seus distintos territórios espalhados pelos oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Atualmente, um dos maiores desafios neste sentido está na necessidade de maior articulação entre a produção de conhecimento científico e os saberes tradicionais nativos da região, de forma que o potencial científico de quem vive na Amazônia seja ainda mais valorizado. “Os saberes tradicionais são inspiração para as decisões que precisamos tomar e a eles se somam a Ciência que precisamos produzir. Sem Ciência e Tecnologia, não haverá um futuro para a Amazônia, um futuro que seja com inclusão social e cidadania, um futuro que seja de conservação das suas florestas e rios”, ressaltou o reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Emmanuel Tourinho, que abriu a plenária central “Como pensar a Amazônia para o futuro a partir da ciência, tecnologia, inovação e pesquisa acadêmica, e transição energética”.
A programação contou a presença da ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil (MCTI), Luciana Santos, que aproveitou a ocasião para ressaltar a importância das instituições locais para a solução desse desafio. “As universidades são uma base robusta que temos no bioma amazônico. Vamos dialogar com todas elas, de modo a integrar esse desenvolvimento da pesquisa. O grande desafio permanente é que os saberes das pesquisas que têm sido feitas aqui possam dialogar, para que a gente tenha um resultado melhor dessas pesquisas”.
Durante a sua fala, a ministra defendeu, ainda, a importância do desenvolvimento de uma tecnologia comum e a prática da ciência aberta para que todos os países da Cooperação Amazônica possam partilhar dos dados e programas produzidos, possibilitando a organização de uma grande rede para cobertura, monitoramento e proteção do bioma amazônico.
“A Ciência e a Tecnologia perpassam, praticamente, esses desafios de sustentabilidade da Amazônia, não só do monitoramento, mas também do próprio desenvolvimento através da biodiversidade, dessa riqueza que é tão diversa na Amazônia. Para você transformar os fármacos e os minerais em algum produto ou serviço, por exemplo, precisa de Ciência e Tecnologia, precisa do desenvolvimento, precisa de pesquisa para compreender essa biodiversidade”, lembrou Luciana Santos.
Ciência na Amazônia - A titular do MCTI também aproveitou a participação nos Diálogos Amazônicos para divulgar a liberação de 3,4 bilhões de reais direcionados à pesquisa científica para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, dos quais, R$ 700 milhões serão direcionados especificamente ao Pró-Infra, que vai atender à modernização e recuperação da infraestrutura de laboratórios de institutos e universidades da região.
“Foi pela Ciência que a humanidade encurtou distâncias, aumentou sua capacidade de comunicação, desenvolveu satélites e naves espaciais, e aumentou, consideravelmente, a longevidade da espécie humana, e será pela Ciência que enfrentaremos e resolveremos a ameaça do momento, que é o aquecimento global. Essa medida só será possível, todavia, com base na ciência e ancorada em decisões políticas soberanas. São os povos e os países que estão na região amazônica que têm soberania e autonomia sobre ela”, ressaltou Luciana Santos.
Diversidade de escuta - Responsável em moderar os debates sobre Ciência, tecnologia, inovação e pesquisa acadêmica, a professora Sônia Magalhães, do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares da UFPA (INEAF), destacou a importância de aproveitar o momento histórico dessa reunião das diversas Amazônias para pensar uma nova maneira de construir Ciência, levando em consideração o conhecimento de todas as comunidades.
Este pensamento de união nas diferenças foi compartilhado por diversos participantes das plenárias, incluindo Lúcia Barbosa, representante do Colectivo Andino de la Amazonia (Fospa/Colômbia). “É importante que a gente comece a trabalhar em experiências interculturais na Amazônia e que possamos fazer pesquisas em nossas comunidades de forma que seja possível acolher toda essa diversidade que é própria de cada território. Embora a gente já tenha algumas ações nesse sentido no território latino-amazônico, é necessário reforçá-las para que os saberes dos povos afro-latinos, do campo e indígenas ajudem para que tenhamos uma Amazônia ideal”, comentou.
A ideia também foi compartilhada em outras plenárias, tais como a “Juventudes”, nas palavras proferidas por Matheus Lohan, representante do Movimento Pajeú. “Não se pode debater a Amazônia sem os povos que aqui habitam. A gente compreende que, para discutir a identidade amazônica, é fundamental que a educação seja socialmente referenciada no território, ouvindo e construindo o saber pedagógico com os territórios, com os trabalhadores, com os povos tradicionais e com os povos originários que lá habitam”.
Reconhecimento de conhecimentos - Ao longo das plenárias, estudantes quilombolas que participavam do Encontro Nacional de Estudantes Kilombolas (ENEKI), realizado na UFPA, aproveitaram o espaço para solicitar um olhar especial também à assistência estudantil para que estudantes de povos tradicionais possam dar continuidade aos estudos e pesquisas nas universidades, que se concentram longe de seus respectivos territórios, e, assim, tenham mais ferramentas para trabalhar em suas comunidades ao retornarem com esse desenvolvimento para elas.
“Dentro da universidade, a gente adquire ferramentas para continuar os nossos saberes tradicionais. Nós não vamos para a universidade buscar saberes – o que nós já temos –, nós vamos em busca de ferramentas para a defesa do nosso território. Nós queremos estudar e mudar, não só visualmente como vocês estão vendo aqui, mas também mudar a lógica de produção de conhecimento, que é colonial e não favorece nem respeita a nossa cultura”, ressaltou a estudante Charlene Bandeira, representante do Movimento Nacional dos Estudantes Quilombolas.
O pensamento da estudante também é compartilhado pelo graduando de Direito da Universidade Federal do Pará Tel Guajajara, que aproveitou a Plenária “Juventudes” para abordar a necessidade de se repensar a forma como se produz conhecimento dentro das instituições amazônicas nos dias atuais.
“Precisamos reconstruir a universidade para que tenha Ciência e Tecnologia, mas, sobretudo, também tenha humanos. É necessário que a gente tenha acesso, que as nossas ciências sejam levadas em consideração e que tenham relevância. A nossa responsabilidade, como amazônidas, é levantar esse debate pra quem é estudante, pra quem quer entrar na universidade, pra quem quer estar com seu diploma na mão, mas, sobretudo, para quem tem o desejo de voltar para os seus territórios a partir do desenvolvimento que a universidade nos permite ter”, finalizou o estudante indígena.
Ao final de todos os espaços de escuta, foram produzidos relatórios para serem entregues às autoridades que participam da Cúpula da Amazônia e, assim, seja possível que os novos projetos para a Amazônia possam atender às reais necessidades dos que nela habitam e dos que a protegem.
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Texto: Maissa Trajano – Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA
Fotos: Heloísa Torres – Ascom UFPA; Rodrigo Cabral – Ascom MCTI
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