Professora da UFPA lança livro sobre os grupos sociais juvenis e o universo drag queen na Belém dos anos 1990
A cidade é um grande palco no livro “Tribos Urbanas em Belém: Drag Queens - rainhas ou dragões?”, da antropóloga e professora da UFPA Izabela Jatene. A obra será lançada na próxima sexta-feira, 22 de setembro, pela editora Paka-Tatu, no Instituto de Ciências da Arte da UFPA (ICA), localizado na Praça da República. O lançamento conta com a parceria da Livraria da Editora da UFPA (ed.ufpa).
O livro é fruto da pesquisa de mestrado de Izabela Jatene, realizado na Universidade Federal do Pará, desenvolvida a partir de uma profunda vivência para entender os grupos sociais juvenis na pós-modernidade. Skatistas, góticos, punks, mauricinhos e patricinhas, headbangers, gangues de rua, e principalmente o universo drag queen de Babeth e a Banda Bagaço, encontram-se neste retrato escrito da Belém dos anos 1990.
A escolha do local do lançamento não ocorre por acaso, mas sim como um reencontro afetivo entre a autora e um de seus principais locais de pesquisa. “Eu sempre fui muito apaixonada pela Praça da República, em muitos momentos andei ali. Sozinha, andava, observava. E era um momento [na década de 1990] em que a praça estava em uma efervescência cultural verdadeiramente, estava em um momento que domingo, inevitavelmente, todo mundo ia parar ali”, lembra Izabela.
Ela também conta como realizou naquele local várias das entrevistas que deram origem ao livro. “Aquele grande quarteirão, aquele quadrado verde com o Theatro da Paz no meio, tinha espaços certos para os grupos certos. Atrás do [teatro] Waldemar, os headbangers; muitas vezes, se o pessoal punk chegasse, se aproximava, mas nem tanto. No monumento da República ficavam os skatistas, transgredindo - isso é algo que a gente precisa marcar, estamos falando de sujeitos que em todos os momentos não tinham medo e viviam espaços de transgressão mesmo”.
O ponto de partida para a pesquisa foram as gangues, que naquele momento estavam vivendo um conflito extremamente intenso nas ruas da cidade. “Eu fazia descida com os meninos de gangue, e até hoje as pessoas dizem: ‘tu eras muito maluca’. E realmente, porque eu me metia no meio de uma gangue e saía pela rua com eles. Estava num risco, na vivência de uma coisa que eu adoro, o ‘anthropological blues’, algo que o [antropólogo] Roberto da Matta fala muito, que é essa vivência da antropologia!”, exalta Izabela.
A territorialidade, o espaço ocupado na cidade por cada um desses grupos, também é um destaque do livro. Izabela conta que era comum sair à noite de carro e parar em determinados lugares. “Costumo dizer que eu vivi uma garimpagem noturna porque quando eu começava a notar um movimento de jovens caminhando, eu parava [o carro] onde eu estivesse, descia e seguia. Ia bater no cemitério da Soledade para observar os góticos. Se tinha uma festa no Ná Figueredo com os punks, eu chegava próximo”, exemplifica.
E assim, o livro acaba desenhando um grande mapa da Belém ocupada pela juventude dos anos 1990, rememorando inclusive locais como o Go Fish. “Era um bar de amigos nossos e funcionava na Rui Barbosa, onde você tinha o bairro de Nazaré com famílias tradicionais morando, que com certeza estranhavam aquele movimento - e aquilo, obviamente, era o máximo para a gente. Era como se a gente vivesse um processo de saída do gueto. Ele fervia com um grupo jovem extremamente diverso. Então, esse era um lugar que, primeiro, eu amava, eu fiz essa pesquisa muito feliz”, rememora a autora, que à época da pesquisa tinha 25 anos de idade.
Babeth e a Banda Bagaço - Foi naquele bar, inclusive, que Izabela assistiu pela primeira vez ao show de Babeth e Banda Bagaço, objeto de pesquisa que agora ocupa metade do livro. Também é da vivência com esse universo drag que inspira-se o nome dado ao livro. “Eu vejo que a década de 1990 era um momento que elas [drags] estavam chegando, estavam saindo dos carnavais: ‘eu não preciso do carnaval para me montar, eu posso ir além’. E falo isso na pesquisa, de onde isso [a arte drag queen] vem. Existem mil discussões, mas eu fiz uma escolha de origem. Quem eram as drag queens e por que ‘rainhas ou dragões’? Porque eram exatamente os dragões da rainha, na Inglaterra, que para viverem a sua sexualidade, o que queriam viver, iam para os pubs londrinos vestidos de rainha, esse lugar que era de ‘eu preciso me esconder para ser’”, explica a autora.
Um dos elementos mais interessantes do livro é também a galeria que a autora disponibiliza com fotos do artista multimídia, professor e curador Orlando Maneschy, mostrando o universo drag de Babeth e sua banda. “O Orlando foi um pouco meu par naquele momento porque a gente ia junto para alguns lugares”, lembra. “Era importante esse registro, trazer essa construção imagética, porque faz com que a pessoa perceba justamente esse passo a passo [da Babeth se montando]. Ali o Orlando vai captando momentos e trazendo olhares, risos e susto. Adoro uma foto da Babeth que ela está se arrumando meio Madonna e eu lembro ele chamando: ‘Babeth!’ Ela virou e ele pegou a foto, ela com o espelho atrás”.
Também é de Orlando Maneschy a foto escolhida para a capa do livro. “[O livro] Tem uma memória de perdas, de lugar, de saudades, daquela coisa nostálgica mesmo. A lembrança do Peter [o artista por trás da persona Babeth] é muito forte”, acrescenta a autora, que ainda mantém uma relação de proximidade com Chico, um dos integrantes da Banda Bagaço.
“E é importante ressaltar que um percentual [das vendas] do livro vai ser revertido para o Arte pela Vida, que é um comitê que sou voluntária - é a luta do Chico e de um grupo de pessoas enorme que convive com HIV”, diz Izabela, ressaltando ainda a importância de sua pesquisa e agora sua publicação em livro. “A gente precisa dessa produção, da desconstrução dos olhares ainda muito engessados, a gente precisa provocar as pessoas para conseguir pelo menos ver assim: ‘enxerga, não estou te pedindo concordância, só estou te pedindo que perceba que existe um mundo que é diverso’”. E diante de tudo que observou e viveu durante a pesquisa - e nesses mais de 25 anos desde então -, a autora diz que algo não se pode deixar de perceber: “a cidade é um grande palco!”
Texto: Divulgação do livro, com edições da Ascom UFPA
Arte gráfica: Editora da UFPA
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