Morosidade do Poder Executivo retarda titulação de moradias para famílias em Serra do Navio
Um ano e três meses para registrar a área doada pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU) como patrimônio público da Prefeitura de Serra do Navio e quatro meses para formalizar um pedido de licenciamento ambiental ao Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Amapá (IMAP). Para Maria do Carmo Silva, da Comissão de Regularização Fundiária da Universidade Federal do Pará (CRF-UFPA), esses dois pontos, em especial a falta do licenciamento ambiental, inviabilizaram a titulação dos primeiros moradores da Serra do Navio, durante a vigência do Projeto de Regularização Fundiária e Cidadania, Valorização Histórica, Urbanística e Ambiental da cidade serrana. O projeto é uma parceria entre e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Universidade Federal do Pará, por meio da CRF-UFPA, que se encerra no próximo dia 20 de outubro. Essa demora nos procedimentos, de responsabilidade municipal, teve como efeito o retardamento da garantia do direito social à moradia para as famílias da cidade amapaense.
Maria do Carmo Silva explica que a doação das terras ocorreu no final de 2016, mas só foram registradas pela prefeitura municipal em março de 2018, o que levou à prorrogação do acordo com o Iphan, para dar prosseguimento às ações do projeto. Quanto ao licenciamento ambiental, as orientações foram prestadas no início de maio de 2018, pelo IMAP, em reunião agendada previamente, na qual o representante da Prefeitura não compareceu, mas as orientações foram repassadas em 15 de maio de 2018 ao município pelo Iphan e pela UFPA, que participaram da reunião. No entanto a formalização do pedido ao IMAP ocorreu somente em 19 de setembro passado.
Esta realidade e o histórico do projeto foram debatidos, entre 10 e 12 de outubro, de forma transparente com os membros dos poderes Executivo e Legislativo, a Procuradoria da Prefeitura de Serra do Navio, as lideranças comunitárias que fazem parte do Grupo Municipal de acompanhamento e com os moradores da cidade. Essas dificuldades foram tratadas em diálogo franco e transparente entre Maria do Carmo Silva e o prefeito municipal, Elson Belo Lobato, durante reunião ocorrida no dia 10 de outubro, no gabinete do Executivo.
A parceria com o Iphan foi prorrogada por três vezes para tentar finalizar o projeto com a entrega dos títulos aos moradores, mas a morosidade do Executivo, principalmente com relação ao pedido do licenciamento ambiental, impediu que os títulos definitivos das moradias fossem entregues. O prefeito de Serra do Navio garantiu que pedirá reunião com Kátia Bogéa, presidente do Iphan, em Brasília, para construir mecanismo de superação do impasse, pois ele estará na capital federal entre 15 e 19 de outubro para articular emendas parlamentares. Desde 2014, os investimentos públicos no projeto somam R$ 848.375,50 e envolveram os trabalhos de equipes interdisciplinares da CRF-UFPA.
Legislativo – No dia 10 de outubro, às 16 horas, ocorreu a sessão na Câmara de Vereadores para esclarecer o encerramento do projeto. Para concluir a regularização, faltam apenas quatro passos: complementar a documentação para o licenciamento ambiental no IMAP e, após o licenciamento ambiental, registrar o projeto no cartório da cidade. Depois a prefeitura realiza tramitação, análise dos processos, emissão de pareceres e indicação do instrumento de regularização fundiária para cada processo formalizado. Em seguida, emite-se o título e a entrega do documento ao morador para ser registrado no cartório, garantindo o direito social à moradia e estabelecendo as normas para preservar o patrimônio histórico tombado.
Para o vereador Fernando Menezes, a Câmara Municipal se empenhará para que o trabalho realizado nos últimos anos e os recursos aplicados não tenham sido em vão. “Vamos lutar para concluir a regularização”, asseverou. Já o vereador José Roberto Kenden afirmou estar com o “coração partido. É preciso construir mecanismo para contornar esta realidade”, assinalou, emocionado. No dia 10 de outubro, às 19 horas, a CRF-UFPA reuniu-se com os membros do Grupo de Trabalho Municipal (GTM), na sede do Fundo Municipal de Desenvolvimento Comunitário (FMDC) para esclarecer os desafios colocados. Foram ratificadas informações sobre as modalidades de regularização: gratuita, onerosa com dispensa de licitação, onerosa com licitação e direito de preferência e a licitação aberta. Foram explicados, para efeito de regularização, os custos dos terrenos e das edificações para o caso das regularizações onerosas e das edificações e da infraestrutura dos três tipos de casas projetadas pelo arquiteto paulista Oswaldo Bratke.
Valores - Maria do Carmo explicou que as famílias que não se enquadram nos requisitos estabelecidos em lei para a gratuidade terão a regularização onerosa. Ela exemplifica os valores tomando como base uma casa na Vila Operária. Nessa Vila, o tamanho do terreno e o padrão construtivo das casas, com as devidas depreciações, alcançam, sem nenhuma redução de custo, o valor aproximado de R$ 37 mil. No entanto, quando se aplicam os fatores de redução para as famílias de baixa renda familiar - até 5 salários mínimos, a realidade é outra.
Para este critério, foi prevista uma redução de 40% e, se a casa tiver sido preservada com as características arquitetônicas do padrão inicial, contará com mais 20% de desconto. Como o instrumento de regularização é a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), isso garante mais 20% de desconto para o imóvel a ser regularizado. Assim, na Vila Operária, uma família de baixa renda terá um desconto de 80% e o valor a ser pago poderá ser inferior a R$ 8 mil, além da obrigatoriedade de preservar o patrimônio.
Na Vila Intermediária, o valor é pouco mais de R$ 45 mil. Com a aplicação das reduções, o imóvel não alcançará R$ 10 mil. Na Vila Administrativa - Staff - o valor soma mais de R$ 117 mil, porém, com as reduções, cai para menos de R$ 24 mil. Os pagamentos podem ser parcelados. Os membros do Grupo Municipal ficaram preocupados com o encerramento das atividades da UFPA na regularização e decidiram fortalecer mais o grupo, com a possibilidade de ampliá-lo ou construir uma estrutura formal para acompanhar os desdobramentos do projeto. Outra preocupação levantada foi quanto à destinação dos valores decorrentes das regularizações onerosas, pois a constituição de um Fundo para gerir esses valores foi discutida, porém não foi efetivada.
Protocolo - No dia 11 de outubro, pela manhã, o arquiteto e urbanista da Prefeitura de Serra do Navio Renan Santos assinou o protocolo recebendo, em meio físico e digital, os 768 boletins cadastrais e 895 peças técnicas envolvendo os memoriais descritivos, plantas de lotes, plantas descritivas e mapas temáticos que marcaram o encerramento do projeto. A documentação técnica foi elaborada pela CRF-UFPA e serve de base finalística para a regularização e atende às exigências da legislação brasileira.
Com a participação de quase 90 famílias, a reunião comunitária ocorreu no auditório da Ação Social da Prefeitura, às 18 horas, quando, por meio de imagens documentais, resgatou-se a história do projeto entre 2014 e 2018. Para Ivone Santos, moradora de Serra do Navio, é necessário que a comunidade some forças com o GTM para acompanhar os desdobramentos da regularização e cobrar do prefeito a titulação das moradias. O prefeito Elson Lobato não participou da reunião e foi representado pela chefia de gabinete, que garantiu o empenho da Prefeitura para continuar o projeto.
Transparência - Encerrando a reunião, Maria do Carmo esclareceu que Liely Andrade, da SPU-Amapá, também foi informada dos desafios e vai monitorar os desdobramentos do Contrato de Doação da Terra para a Prefeitura, enquanto o Iphan-Amapá e a Prefeitura serrana têm a responsabilidade de fiscalizar a preservação do patrimônio. Estas instituições estabelecerão as estratégias de acompanhamento do processo que precisa ser concluído, garantindo a observância irrestrita à legislação brasileira e municipal, aos dispositivos do Contrato de Doação da área, além do controle social e da participação da sociedade local. Já Cláudia Soares, do Cartório de Serra do Navio, aguarda as ações do Executivo municipal para o registro do projeto e, posteriormente, o registro dos títulos em nome dos moradores.
Em carta aberta aos moradores de Serra do Navio, o reitor da UFPA, Emmanuel Tourinho, agradeceu a todas as instituições e aos cidadãos que participaram do projeto, pelo espírito público que a ele dedicaram. Parabenizou os avanços alcançados tanto na esfera político-administrativa quanto no contexto da Academia. “A UFPA ficou honrada em poder participar deste trabalho, está e sempre estará aberta e receptiva para os novos desafios que tratem de questões que podem melhorar a vida das pessoas e a governança do País, como a regularização fundiária, o patrimônio histórico, o planejamento urbano e o equilíbrio ambiental”, destaca o documento.
Texto e fotos: Kid Reis – Ascom CRF/UFPA
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