Projeto da UFPA busca superar conflitos sociombientais nos bairros Terra Firme e Guamá
A partir de uma análise socioambiental urbana realizada em 1.935 lotes existentes nos bairros Terra Firme e Guamá, em Belém, a Comissão de Regularização Fundiária da Universidade Federal do Pará (CFR-UFPA) constrói uma segunda etapa do Projeto de Regularização Fundiária Urbana: uma questão de cidadania e engenharia social. A meta do projeto em construção é trabalhar os conflitos socioambientais urbanos com base no estudo de casos existentes nesses lotes, que sinalizaram inúmeras demandas e soluções públicas envolvendo as três esferas da Federação para atender às necessidades de milhares de famílias residentes nos dois bairros.
“Já realizamos diversas reuniões comunitárias e a próxima visita técnica ocorrerá no dia 1º de março, às 10 horas, na Passagem Fé em Deus, nº 22, no bairro Guamá, esclarece Myrian Cardoso, professora da Faculdade de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFPA e membro da CRF-UFPA. A ação conta com a participação de docentes dos cursos de Direito, Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo da UFPA.
O projeto elabora um protocolo metodológico de atendimento multidisciplinar para a mediação de conflitos e regularização socioambiental urbana baseado no estudo de demanda, realizado no período de setembro a dezembro de 2018, em parceria com o Núcleo de Pacificação e Prevenção da Polícia Civil do Governo do Estado do Pará (NUPREV/PA), que atua na Unidade Integrada Pro-Paz (UIPP), no bairro Terra Firme. Em média, a UIPP atendia de 10 a 12 casos de conflitos por dia. Josiane Corrêa, assistente social do Núcleo, diz que 90% dos casos de conflitos vicinais têm como causa a disputa entre os moradores sobre o limite de lote; a realização de obras, que provocam rachaduras nas paredes dos vizinhos e contribuem para a instabilidade estrutural da moradia; as aberturas de janelas, que afetam a privacidade familiar e a instalação inadequada de tubulações de água e de esgoto. Além desses dados, constataram-se conflitos relacionados ao acesso à moradia, ao terreno e ao uso de áreas comuns para a convivência da comunidade, destacou.
Também estão presentes os conflitos sobre as formas de acesso inadequado à energia, as quais geram riscos e consequências, além dos sucessivos aterramentos das vias públicas, que resultam no alagamento permanente dos lotes e das moradias com água das chuvas e o descarte de instalações sanitárias e outros objetos. É perceptível, ainda, a violência urbana que afeta crianças e jovens. Em parte desses conflitos, os moradores chegam às vias de fato, com agressões físicas e verbais, resultando em registro de boletim de ocorrência, as quais contribuem para os altos índices de violência registrados nesses bairros, comenta o assistente social do Nuprev, Jesiel Gomes.
Protocolo – Nesta segunda etapa do projeto, a UFPA estrutura um protocolo metodológico de atendimento integrado e multidisciplinar entre a comunidade e os diversos agentes públicos municipais, estaduais e federais visando superar os conflitos. O estudo revelou que 53% dos imóveis pesquisados possuem estrutura precária ou improvisada, o que aponta para a necessidade de realização de obras e isso é um alerta para intensificação deste cenário de conflitos. “O desenvolvimento desordenado se fundamenta na falta de uma política pública governamental que não garante à comunidade, conforme estabelecido no Estatuto da Cidade, o direito de acesso à terra, à moradia, à infraestrutura, ao saneamento, ao trabalho, à renda e aos serviços públicos para as presentes e futuras gerações, inclusive exigindo, ainda, um olhar diferenciado para a realidade amazônica”, assinala a professora.
Myrian recorda que em 2008, quando ocorreu a primeira etapa do Projeto, a parceria CRF-UFPA envolvia o governo do Estado do Pará, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) e o Cartório de Registro de Imóveis Cartório 2º Ofício. O foco, então, era consolidar uma metodologia participativa com a comunidade que permitisse a regularização fundiária do lote e da moradia em nome do morador, por meio dos instrumentos de Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM) ou pela Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
Mapeamento – Em 2008, foram realizados 7.733 cadastros, 3.154 processos montados com documentação completa, 2.500 requerimentos com parecer favorável à regularização e 1.200 contratos de Concessão de Uso para Fins de Moradia (CUEM) assinados e registrados no Cartório de 2º Ofício. Esses dados demonstram um certo efeito de afunilamento entre os cadastros realizados e os títulos registrados, em decorrência dos parâmetros de análise técnica, documental e jurídica, os quais exigem uma nova leitura, à luz do princípio constitucional de dignidade da pessoa humana e do direito social à propriedade e à moradia. “Agora, a CRF-UFPA implementa mais um passo por uma cidade inclusiva e construída com a participação da comunidade”, acentua. Entre 2008 e 2018, a Comissão desenvolveu, também, parcerias e intercâmbio de informações com o Ministério da Cidades, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional (Iphan), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), com inúmeras prefeituras brasileiras, além de Instituições Federais de Ensino de diversos Estados e com órgãos não governamentais internacionais.
Interdisciplinar – Para Addyson Macedo Silva, discente e concluinte do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFPA, o estágio na Comissão é enriquecedor, pela sua interdisciplinaridade. “O ensinamento teórico na sala de aula pensa a formação do discente para as ações profissionais no mercado e nas corporações privadas. No entanto, quando vivencio o meu universo profissional nas práticas comunitárias, são perceptíveis as diferenças entre os conteúdos teóricos das disciplinas sobre a cidade e o que é revelado na realidade social, ambiental e sanitárias nas comunidades”, diferencia.
Para ele, o tripé ensino, pesquisa e extensão permite refletir sobre a ausência das políticas públicas, desde a gestão do lote, da casa, da rua, do bairro, da cidade e do país, assim como é evidente o direcionamento dos investimentos privados para determinadas áreas territoriais do espaço urbano. “Com esta vivência real e a participação junto com a comunidade, tenho condições de elaborar propostas sanitárias e ambientais conectadas com as outras políticas públicas, para garantir melhor qualidade de vida no bairro e na cidade”, assevera.
Expectativa - Morador da passagem Fé em Deus, nº 22, no bairro Guamá, em Belém, o paraense de Cametá Jucelino da Cruz é casado, pai de sete filhos, tem 73 anos e receberá a visita técnica das equipes da Comissão nesta sexta-feira, 1º de março, às 10 horas. A sua expectativa é alcançar o título e o acesso ao cheque moradia, para promover melhorias socioambientais em sua casa de alvenaria, em que mora desde 1970. Jucelino informa que a estrutura da sua casa era de madeira, coberta de folha de babaçu e, para fazer a função das paredes, ele utilizou, por três anos, os tecidos que forravam o chão para secar a pimenta do reino quando trabalhava, por volta de 1950, nas colônias agrícolas em Tomé-Açu. “Hoje, a minha casa possui dois quartos, sala, sanitário e um espaço para o trabalho familiar. O terreno tem 160 metros quadrados. Para ter acesso ao cheque moradia e promover melhorias sociais, entre tantos outros documentos, é exigido uma declaração da Comissão da UFPA de que a casa está em processo de regularização fundiária. A minha casa ainda tem problema de alagamento, falta infraestrutura local e existem outros conflitos no bairro que afetam a comunidade”, finaliza.
Texto e fotos: Kid Reis - Ascom - CRF – UFPA
Redes Sociais